segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Programa da Poder Estudantil IME XI Congresso de estudantes da USP

Reproduzimos abaixo o programa elaborado para o XI congresso de estudantes da USP pela chapa do IME-USP Poder estudantil, da qual fazemos parte.




Programa Político

a) Universidade de classe

    Vivemos em uma sociedade de classe, em que a maioria assalariada é explorada pelos detentores dos meios de produção (burguesia). Como a universidade está intrinsecamente ligada à sociedade, acaba refletindo as contradições dessa sociedade. Essas contradições são colocadas ora pela intervenção direta, através dos mecanismos de controle estatal, como a legislação, a polícia etc.; ora indireta, com uma estrutura de poder moldada para atender aos interesses gerais da classe dominante.
    Esta estrutura de poder é colocada nas mãos de uma camada minoritária de professores titulares, que detêm o poder da universidade, aplicando a política do Estado em seu interior, de acordo com os anseios da classe dominante. Disso resulta a caracterização de que a universidade não é autônoma, apesar da casta burocrática possuir algumas limitadas prerrogativas enquanto camada privilegiada.
    Na USP, a escolha do reitor é feita pelo governador a partir de uma lista tríplice indicada pela burocracia (Rodas, em particular, foi indicado por José Serra/PSDB). A FIESP tem participação direta no Conselho Universitário (CO), assim como o agronegócio e a federação do comércio. Apesar dos qualificativos costumeiros, como de “centro de excelência”, o que vemos é uma produção de conhecimento atrelada à lógica do mercado e não às necessidades gerais da população.
    Cresce a cada dia a privatização “por dentro” nas universidades públicas, através de fundações de direito privado e da terceirização. A criação de patentes é um exemplo, já que mobiliza pesquisadores, fazendo uso do patrimônio público, para no final produzir um conhecimento que permanece sob controle privado. O novo regimento da pós-graduação da USP segue a mesma orientação mercadológica, com um viés tecnicista e profissionalizante, favorecendo a infiltração de demandas empresariais em detrimento da livre investigação científica.
    A estrutura autoritária, então, coloca-se como uma necessidade da burocracia universitária para preservar sua posição enquanto agente do governo, que por sua vez serve à burguesia. É certo também que ela tenta mascarar sua real função, como se dirigisse a universidade de forma autônoma e de acordo com critérios técnicos, tudo fundamentado pelo discurso da meritocracia. Porém, nenhuma reforma é capaz de mudar sua essência, ou seja, não é possível “democratizar” uma estrutura erguida com o fim de submeter a maioria à minoria.
    O autoritarismo tem diversas faces, desde medidas de controle do acesso aos campi até a violência física (a exemplo da utilização da polícia para dissolver manifestações), passando pelos processos criminais e administrativos - que têm conduzido à eliminações e demissões dos lutadores. Com isso, Rodas busca acabar com os movimentos de resistência à sua política elitista e privatista.
    O SINTUSP (sindicato dos trabalhadores da USP) está com toda sua diretoria ameaçada por lutar contra a precarização do trabalho (arrocho salarial, terceirização etc.). São vítimas de processos políticos que visam à demissão por justa causa. Membros da direção da Adusp (sindicato docente) estão sendo perseguidos politicamente por denunciarem o mal uso do dinheiro público pela burocracia universitária.
    O mesmo vem acontecendo com os estudantes. Há processos referentes às ocupações da reitoria de 2007 e 2011 e da moradia retomada. São reprimidos por defenderem a permanência estudantil, contra a presença da PM no campus e contra os processos que se acumulam a cada levante. Oito já foram eliminados e mais de 50 estão na mira.

b) A “democratização” da universidade

    A direção do DCE convocou o XI Congresso de Estudantes sob o tema “Democracia na USP”. Esforça-se por comparecer diante de sua base como expressão de uma política de esquerda, capaz de provocar mudanças na universidade em favor da maioria. Para isso, propõe discutir duas bandeiras centrais: uma estatuinte livre e soberana e eleições diretas para reitor.
    O tema da “democracia”, entretanto, é colocado em oposição às bandeiras e métodos de luta levantados pelos estudantes no final de 2011 (contra a PM no campus, contra os processos políticos e pela saída do reitor autoritário). Assim, o chamado “congresso temático” está sendo organizado ao redor de uma política abstrata de democracia que é distracionista, oposta na prática às bandeiras e métodos de luta do movimento real. Desta forma, o congresso pode facilmente ser sequestrado pela burocracia, pois sem articularmos a pauta de democracia com ações concretas até a burocracia pode falar de democratização.
    A USP preserva uma série de aspectos da estrutura de poder criada pela ditadura militar, que estão traduzidos em seus estatutos (reformados em 1988) e no seu regimento disciplinar (preservado mesmo depois disso). O que não quer dizer que a convocação de uma estatuinte seja a resposta correspondente. Na verdade, a única estatuinte possível hoje seria a dirigida por Rodas, pela burocracia universitária e pela PM, o que certamente nos colocaria em situação pior.
    A abertura de uma estatuinte não teria como levar à real democracia universitária, pois não seria capaz de romper por si só o controle dos governos e do poder econômico sobre a universidade. Não haveria correlação de forças para derrotar o enorme aparato em favor da burocracia (governo, mídia, polícia etc.). Mesmo considerando a hipótese da conquista de uma composição política favorável no interior da estatuinte, seu caráter “livre e soberano” ainda assim dependeria da burocracia acatar suas decisões, o que obviamente não ocorreria caso contrariassem seus interesses.
    Modificar a forma como o reitor é escolhido, mantendo-se a estrutura de poder vigente, também não solucionaria o problema. Ainda mais quando se sabe que a proposta da direção aparece condicionada a outra, de paridade nos organismos de administração da universidade. Não será modificando a proporção entre os representantes de estudantes, funcionários e professores no interior de uma estrutura que conserva a ingerência do Estado e do capital.
    Em outras palavras, partir do fato de que é absurda a maneira como é “eleito” o reitor e partir do princípio de que todos os cargos sejam elegíveis (e submetidos a revogação dos mandatos) não pode nos conduzir mecanicamente à defesa de bandeiras que nos colocam numa posição de conciliação com a burocracia, quando a tarefa que se coloca é combatê-la.
    Hoje as bandeiras de estatuinte e diretas pra reitor aparecem no movimento como uma imposição das direções, de cima pra baixo. São apresentadas como reivindicações democráticas radicais, mas na prática servem para combater o radicalismo do movimento, desviando os que estudam e trabalham das bandeiras decisivas no momento atual, colocando como prioridade reivindicações abstratas, à margem da vida dos estudantes. Vale relembrar que o próprio movimento da última greve já clareou essa posição, quando em assembleia geral decidiu unificar os eixos “Fora rodas!” e “Por uma estatuinte livre e soberana”, submetendo o segundo eixo ao primeiro. Naquele momento, tratava-se de um expediente utilizado para combater o caráter conciliador da bandeira de estatuinte e denunciar que não poderia haver negociação sob a ditadura de Rodas.
    O autoritarismo se destaca na conjuntura como o problema mais candente que devemos enfrentar. A razão disso é que esse autoritarismo hoje se expressa por meio da violência policial e da perseguição política aos movimentos. Mas a direção estudantil, ao não lhe dar combate imediato em nome de uma campanha abstrata por “democracia”, impede que se dê um passo na luta contra a repressão, permitindo que esse mesmo autoritarismo se perpetue, pois ele não será removido de outra forma que não seja a do levante massivo e unitário.
    Ademais, como é possível separarmos os movimentos contra o autoritarismo e contra a repressão? Até a direção do DCE concordaria, em palavras, que tal separação é um absurdo. Porém, sua omissão diante da questão da repressão demonstra que opõe sim as duas pautas. Nós, ao contrário, acreditamos que o congresso deva ter a função de fazer a ligação necessária entre elas, partindo do concreto para o geral, da repressão à questão da transformação da estrutura de poder arcaica de nossa universidade.

c) Destruição da universidade de classe

    Não pode haver democracia universitária sem a real autonomia. Ou seja, o controle coletivo da universidade por quem estuda e trabalha, em oposição à ingerência dos capitalistas e seus governos, é a forma de concretizar a real democracia universitária.
    As tentativas de “democratizar” a atual estrutura de poder autoritária, ampliando a participação de estudantes e funcionários nos gabinetes empoeirados da burocracia autoritária não são capazes de efetivar uma verdadeira democracia universitária. O objetivo do movimento estudantil deve ser outro: destruição da atual estrutura de poder e da conquista da real autonomia universitária, ou seja, do controle coletivo da universidade pelos que estudam e trabalham.
    O caminho para se avançar nessa direção é o da mobilização pelas reivindicações mais sentidas, que se chocam com o autoritarismo da casta burocrática que dirige a universidade e coloca a questão do poder de forma concreta. O recente conflito do movimento estudantil contra a maior ingerência externa sobre a universidade, expresso nas bandeiras de expulsão da PM e fim dos processos políticos, levou a se levantar a bandeira de Fora Rodas.
    Pela prática, os estudantes percebem a necessidade de varrer com a casta parasitária, substituindo o poder burocrático pelo dos organismos de massa, e de romper com a influência dos governos e do poder econômico, empregando a autonomia contra eles, concretizada no controle coletivo por quem estuda e trabalha. A assembleia geral universitária se torna assim meio de mobilização, decisão coletiva e democrática, e embrião do poder da maioria. Ela é quem deverá exercer o governo da universidade, com um governo tripartite (professores, estudantes e funcionários) submetido a ela.
    Porém, é um erro supor que o autoritarismo da USP seja um fenômeno particular ou que possa ser superado nos limites de seus campi. A burguesia controla diretamente a maior parte das universidades brasileiras, pois é proprietária de 90% das instituições, com 75% das vagas, aproximadamente. A universidade pública é minoritária dentro do já reduzido universo de acesso ao ensino superior para a juventude.
    A conquista da real autonomia e democracia universitárias está ligada à conquista do ensino público e gratuito para todos, em todos os níveis. Ou seja, terá de passar pela destruição do ensino privado. Isso porque o controle privado se constitui numa barreira intransponível para a maioria, que não pode pagar – o que vale somente para aqueles que conseguem concluir o ensino médio,... .
    A estatização e a destruição da universidade de classe não poderão se realizar através de uma luta isolada. Pelo contrário, são combates que terão de se inserir num quadro mais amplo de transformação da sociedade. Dessa maneira, o movimento de estudantes e trabalhadores das universidades só avançará na luta se caminhar para a unidade com os demais explorados, sob a direção da classe operária. Essa unidade criará a força capaz de impor a derrota geral ao Estado burguês e aos capitalistas e conquistar a real autonomia e democracia universitárias.

d) Acesso e permanência

    O primeiro passo é a defesa das bandeiras e dos métodos de luta que opõem os que estudam e trabalham à burocracia e aos governos. A resposta aos ataques privatistas, de precarização e elitização, movidos pela casta burocrática através de meios repressivos, é a forma concreta de se defender a democracia universitária. As bandeiras relacionadas ao acesso e à permanência estudantil se destacam nesse aspecto.
    Não é de interesse da minoria burguesa o acesso universal à universidade pública. Neste sentido, o vestibular cumpre o papel de “filtrar” os jovens que terão acesso ao ensino superior público. Isto porque o ensino privado é uma gigantesca fonte lucro, graças aos milhões de jovens que todos os anos são descartados e não enxergam outra saída senão seguir pelo ensino privado.
    A defesa da permanência vem no mesmo sentido: o direito a educação não estará garantido se não se garantirem as condições apropriadas para todos se formarem. E essas condições são: moradias para todos, alimentações gratuitas (através de restaurantes universitários), transporte, etc.
    O CRUSP, que fora construído para abrigar participantes de um pan-americano, é uma conquista histórica de diversas ocupações estudantis. Mesmo assim, hoje temos apenas 7 blocos dos 12 iniciais. Os blocos H, I e J foram demolidos pela ditadura e os blocos K e L são a atual reitoria. Todos os anos centenas de estudantes ficam sem moradia na USP. Muitos deles acabam desistindo de seus cursos por não terem condições de se manter na universidade.
    A ocupação da reitoria em 2007 fez com que o bloco A1 saísse definitivamente do papel. Ainda assim, o problema de falta de vagas é grande. A “moradia retomada” escancarava a falta de moradia no CRUSP e servia de referência na luta por mais vagas. Por este conteúdo foi totalmente criminalizada. Rodas colocou um ex-tenente (Waldyr A. Jorge) na direção da assistência social (SAS-Coseas) e eliminou diversos estudantes por supostamente participarem do movimento de ocupação. Esses fatos mostram o quão elitista é a política do reitor-interventor e do governo.

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