domingo, 1 de janeiro de 2012

A luta do movimento estudantil na USP é em defesa da autonomia universitária e da liberdade de organização e manifestação, contra a perseguição política

    Nos últimos meses, a USP foi pauta dos noticiários pelas manifestações estudantis. Basta lembrar que os estudantes aprovaram começar 2012 em greve, dando continuidade à paralisação iniciada no dia 8 de novembro. A movimentação foi taxada reiteradamente pela mídia de baderna, sem qualquer fundo de justiça e empreendida por um bando de rebeldes sem causa. O governador Alckmin chegou insinuar que se tratava da ação de marginais, depredadores do patrimônio público. E recomendou ironicamente que tomassem “aulas de democracia”. O reitor João Grandino Rodas também deu declarações polêmicas, sempre tentando deslegitimar a ação dos estudantes, buscando construir uma base segura para continuar com sua política de criminalização do movimento.
    A mídia, o governador e o reitor distorcem as reivindicações estudantis e ocultam conscientemente aspectos importantes do histórico do movimento. O princípio de imparcialidade na cobertura jornalística, que pressupõe ouvir os dois lados, foi escandalosamente ignorado. No lugar de isenção na tarefa informativa, o que presenciamos foi uma verdadeira campanha ideológica de ataque ao conjunto do movimento estudantil.
    Aquilo que é chamado de baderna pela mídia, na verdade é o uso da ação direta, método histórico que os estudantes tomam emprestado dos operários para arrancar suas reivindicações. A reitoria é intransigente e muito poderosa, o que exige do movimento medidas enérgicas para reverter tal correlação de forças. Uma negociação entre estudantes e administração da universidade nunca seria um embate entre iguais, daí a necessidade de romper a normalidade e mobilizar toda força social que os estudantes são capazes de pôr em marcha.
    A greve libera os estudantes das atividades acadêmicas para realizar suas ações, pois o semestre letivo os pressiona ao imobilismo frente aos problemas da universidade. A ocupação de prédios, as passeatas e os bloqueios de avenidas são meios usados para pressionar o adversário político, pois sem isso os estudantes seriam simplesmente ignorados. São também instrumentos de divulgação das pautas e de ampliação do movimento para além da universidade.
    A direção da universidade e o governo se defendem com o argumento de que só cumprem a lei e as determinações do regimento interno da USP. Aquilo que é chamado de cumprimento da lei e das normas, entretanto, é o uso, quando é conveniente, de um decreto da época da ditadura militar. O regimento disciplinar da USP é de 1972! Através dele, os estudantes podem ser eliminados, como ocorreu com os oito companheiros que sofreram essa punição em 17 de dezembro. Isso significa que nunca mais podem ter vínculo algum com a universidade, nem de aluno, nem de funcionário, ou seja, estas pessoas “não existem mais” para a universidade.

OS EIXOS DA GREVE ESTUDANTIL



    A luta estudantil, ao contrário do que a mídia divulga, tem quatro eixos:
I) Fora PM do campus! Pelo fim do convênio USP-PM. Submetido a isso, um plano alternativo de segurança.
    Desde a ditadura militar, pouquíssimas vezes a PM entrou na USP para interferir em seus assuntos internos. Em 2009, sob a autorização da reitoria (com uma portaria escrita por Rodas, então diretor da Faculdade de Direito), a polícia adentrou a cidade universitária para dissolver piquetes dos funcionários e depois para acabar com uma manifestação pacífica de estudantes, funcionários e professores, transformando o campus num campo de batalha, com bombas de gás lacrimogêneo, cassetetes e balas de borracha.
    Em 2011 foi firmado um convênio da USP com a PM para garantir a “segurança” dentro do campus. Usaram como pretexto a morte de um estudante da FEA dentro da USP, porém no momento do assassinato a polícia fazia uma ronda no campus, demonstrando que o discurso da “segurança” é inócuo e não passa de uma desculpa. O que vem acontecendo, na verdade, é a repressão aos movimentos e às organizações estudantis e sindicais. Os centros acadêmicos da Poli e da ECA, por exemplo, já foram invadidos arbitrariamente pela PM; estudantes são revistados nos prédios de seus institutos e na saída de bibliotecas, entre outros abusos.
II) Fim dos processos políticos contra estudantes e trabalhadores.
III) Liberdade aos presos políticos e nenhuma punição administrativa e criminal.

    Mesmo após o fim do regime militar, que chegou ao extremo de assassinar membros da comunidade universitária opositores ao governo, a perseguição política continua existindo dentro da USP. Somados, há mais de cem processos contra estudantes e trabalhadores. Os alvos são dirigentes sindicais (especialmente por conta da realização de piquetes de greve) e estudantes. No caso destes, devido às ocupações da reitoria em 2007, da administração da COSEAS (Coordenadoria de Serviço e Assistência Social) em 2010 e da reitoria em 2011.
    Os piquetes têm duas funções: garantir que a decisão da maioria de paralisar seja cumprida e que a “pressão” (leia-se assédio moral) por parte dos chefes sobre cada indivíduo pela “falta” ao trabalho não seja determinante, isto é, para que não haja a quem punir. A ocupação de 2007, apesar do acordo firmado com a reitoria de não punição a lutador algum, rendeu alguns processos administrativos. A ocupação de 2010, que culminou na eliminação de oito estudantes, lutava por mais moradias. O espaço estava sendo usado pela COSEAS e, com ação dos estudantes, foi transformado na “moradia retomada”.
    Agora em 2011, diante da ocupação da reitoria pelos estudantes, 400 policiais (dentre eles GOE, GATE, Canil, Choque, Cavalaria e dois helicópteros) foram mobilizados para a reintegração de posse, concluindo com a prisão de 73 pessoas. Durante a ação truculenta, a polícia sitiou o CRUSP (conjunto residencial da USP) e quebrou a reitoria por dentro para criminalizar o movimento estudantil. Os processos abertos são de depredação do patrimônio público, desobediência civil (por não acatar a determinação judicial de desocupação), formação de quadrilha (que foi posteriormente retirado) e crime ambiental (também retirado), este último devido às pichações. O que mostra como é tratada a luta política dentro da USP: como crime!
IV) Fora o Reitor Rodas! Por uma estatuinte soberana já!
    Este eixo diz respeito à estrutura de poder e à falta de democracia dentro da universidade. As decisões dentro da USP são tomadas através do conselho universitário (CO), onde predominam os interesses de uma camada ultra-minoritária de professores titulares, em detrimento das representações de estudantes, funcionários e demais professores. Para escolher o reitor, essa minoria elege uma lista tríplice, que é enviada ao governador do estado para que dê a palavra final. Rodas foi indicado por Serra, pois havia ficado em segundo lugar na referida lista tríplice. Ou seja, sua condição como reitor é resultado de um processo absolutamente antidemocrático. Desde que se tornou reitor (na verdade, um interventor a mando do governo do PSDB), passou a aplicar uma política de destruição dos movimentos sociais dentro da USP: quebrou a isonomia salarial entre professores e funcionários, fragmentando assim a luta pelo reajuste salarial; intensificou a perseguição política e a difamação dos movimentos opositores etc.
    A luta estudantil é a luta pela autonomia universitária frente aos governos e poder econômico e pela liberdade de organização e manifestação, um direito democrático elementar que vem sendo violentado, inclusive com a intervenção direta da PM. Combatemos em defesa da universidade pública, contra o intento da burocracia universitária e do governo de avançar em sua política privatista. A truculência e a perseguição política não passam de instrumentos para quebrar a resistência dos movimentos de estudantes e trabalhadores justamente contra esse avanço privatizante. Em outras palavras, se a repressão serve ao projeto do grande capital de desmonte do ensino público e favorecimento do setor privado, a resistência radical a cada passo desse plano serve à manutenção do que ainda resta de público nas universidades brasileiras.
    Em todo o mundo, a juventude tem se levantado em defesa de seus interesses, como o demonstram as mobilizações multitudinárias no Chile, Egito, Espanha etc. São reações instintivas à orientação neoliberal que é de desmonte dos serviços públicos (em consonância com o princípio de Estado mínimo, uma falácia desmentida pelo socorro aocapitalistas sempre que estes necessitam, utilizando o dinheiro dos cofres públicos). A luta na USP precisa expressar e fazer parte desse levante generalizado das massas contra as conseqüências da crise capitalista que afetam a juventude e trabalhadores no mundo todo.