segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Recepção dos calouros 2013 - IFUSP

Mérito x Direito

maioria dos estudantes que ingressam na universidade pública compartilha de uma ideia comum sobre o sentido do vestibular. Somos levados a crer que se trata de um instrumento de seleção dos mais aptos ao ensino superior, dos melhores. É preciso quebrar essa lógica. O vestibular é um instrumento de exclusão da maioria dos candidatos. A maioria deve ser limada porque não há vagas suficientes para todos. Ao invés de reconhecermos a falha do Estado em não garantir o direito à educação, somos levados como papagaios a reproduzir o discurso do mérito: “ah, se entrou foi porque mereceu”. E quem não entrou? Mereceu ficar de fora?

A meritocracia é um conceito que responsabiliza o indivíduo pelas suas conquistas e fracassos e por isso nega a política e as soluções coletivas dos problemas que não são individuais, mas generalizados.

Esse mesmo discurso meritocrático é mentirosamente utilizado para justificar os altos índices de reprovação e evasão da Física, que estão entre os maiores do país dentre todos os cursos, e encobrir a prática docente que é de maneira geral sofrível, tendendo ao sadismo em alguns casos. Pelo discurso do mérito o estudante deve rachar para aguentar o ritmo naturalizado frenético e desumano da Física. E o baixo número de formaturas anuais é apresentado pelo mesmo discurso como um prêmio aos “grandes heróis” que decidiram fazer física e conseguiram terminá-la. O lema é: “no pain, no gain!”

O enxugamento do curso causado pela evasão é uma resposta política que se deve à incapacidade do IFUSP em suportar até mesmo a mirrada quantia de 270 ingressantes por ano. A falta de professores, que atinge todos os cursos, impede o reoferecimento de disciplinas em semestres consecutivos e, combinada com a regra do pré-requisito, atravanca o avanço do estudante pressionando para a sua desistência. Uma nova medida (chamada janela) é a impossibilidade de postergar o cumprimento de algumas disciplinas.

Tanto a barreira do vestibular quanto as do curso são fenômenos da política dos governos que privilegia o setor privado de ensino em detrimento do público. Não poder haver a coexistência pacífica entre ensino público e privado. Os capitalistas do ensino têm interesse em abocanhar o setor público e aumentar seu campo de exploração e valorização do seu capital. Enquanto as universidades pagas se proliferam alavancadas por programas como o Prouni e FIES, as públicas se mantêm relativamente estagnadas. É um dos aspectos da privatização do setor em geral. As políticas privatistas levam à deterioração do ensino público.

Por tudo isso e mais um pouco, os problemas do curso de física estão intimamente ligados com os problemas mais gerais da universidade pública. Ao ingressar na USP, os estudantes devem lutar pelo ensino público como direito de todos. Que seja gratuito, financiado exclusivamente pelo Estado e sem sua ingerência por se tratar de um instrumento dos capitalistas que querem substituir o ensino público pelo privado da forma como for possível. Devemos nos guiar sempre pelas nossas assembleias e utilizar os métodos de ação direta como as passeatas, greves e ocupações.

Contra a ideia da força, a força da luta

Os manifestantes presos no dia 8 de novembro de 2011 na reintegração de posse da reitoria da USP por um efetivo de 400 homens da polícia militar estão sendo acusados de formação de quadrilha, desobediência civil, porte de material explosivo, pichação e dano ao patrimônio público. Isso depois de terem sofrido suspenções de 5 a 15 dias após processo interno administrativo da USP. Trata-se de mais um ataque do Governo do Estado de São Paulo ao movimento de ocupação da reitoria de 2011, desta vez através de seu Ministério Público.

Aquele movimento não era pela legalização da maconha nem pela chamada falta de segurança. Sua pauta era a de: 1) Fim dos processos administrativos e civis contra estudantes e trabalhadores em curso desde 2007; 2) Fora PM da USP; 3) Fora Rodas. Era isso que os lutadores defendiam. Qualquer outra coisa que tenha sido dita é uma falsificação. É preciso compreender que os processos administrativos e criminais são instrumentos de repressão que vão além do ataque à liberdade de manifestação e expressão. Atacam as bandeiras que o movimento defende e seus métodos de ação que são contrários às políticas privatistas e elitistas do Governo.

Ao atacar os lutadores que expressam o movimento combativo da universidade, o Estado afirma sua truculência na defesa da exclusão da maioria do ensino público. Da falta de moradia estudantil, das fundações privadas que mandam e desmandam nas pesquisas. Do cerco da universidade com muros, guaritas e torres de vigilância e da PM, seu braço armado que está aqui apenas para garantir que ninguém se ponha no caminho entre a sua política e a destruição da universidade.

Frente a isso tudo, cabe aos estudantes e trabalhadores a mobilização para defender processados e reverter as penas já proferidas. Que se ergam as assembleias de professores, funcionários e estudantes! Que se erga a assembleia geral universitária para que a unidade dos que estudam e trabalham passe do mero formalismo e apoio moral para a prática concreta em ações conjuntas! Façamos um chamado a todos os setores do movimento social, que assim como nós são alvos das investidas ditatoriais repressivas do Estado.

Combater a reforma da pós-graduação privatista e de gestão empresarial de Rodas

A USP, em 2011, contabilizou mais de 27 mil alunos regularmente matriculados em 239 programas diferentes de pós-graduação, os quais ministravam, ao todo, 627 cursos, sendo 319 de mestrado e 308 de doutorado. Anualmente, formam-se em média mais de 5 mil mestres e doutores. Estes dados são utilizados e rejeitados convenientemente pela burocracia universitária. Ou seja, para justificar a imposição de uma reforma da pós-graduação feita às pressas e com conteúdo mercadológico estes dados são esquecidos ou negados. Já para rebater as críticas de que esta universidade é elitista, não possui autonomia e se presta aos interesses do mercado os números são lembrados de forma a rebaixar e invalidar as críticas.

No último Conselho Universitário (CO), órgão decisório máximo da USP, em dezembro de 2012 o reitor João Grandino Rodas tentou mais uma vez aprovar a reforma do regimento em bloco, desta vez, apelando para o curioso termo “espírito do regimento”. Manobra que foi rejeitada por todos os representantes discentes e alguns professores. As discordâncias ponto-a-ponto com o novo regimento serão votadas no primeiro CO do ano de 2013, ainda sem data e normalmente marcado com pouquíssima antecedência.

Em 2012, levantou-se um movimento que rechaçou o novo regimento como um todo. Um dos argumentos era de que o atual só foi implementado completamente em 2010 e como o prazo máximo de conclusão de um mestrado é de 4 anos, conclui-se que ele nem sequer foi testado. Em detrimento deste movimento de 2012, o regimento foi para o CO para votação e a crítica hoje se encontra abafada pelas férias e pela pouca informação que os estudantes têm recebido.

Mas, o que muda com a reforma?

A reforma aprofunda o caráter mercadológico da pós-graduação existente hoje por meio das fundações que inclusive fecham laboratórios inteiros a segredo de patente. Aumentam o controle e a ingerência do capital externo sobre as pesquisas e da reioria, que está vinculada a esses capitalistas, sobre os departamentos e programas de pesquisa. Nega o caráter científico que deve ter a universidade, tornando a pós-graduação num curso profissionalizante, em que os dados acima apresentados expressarão cada vez mais as exigencias de organismos internacionais por engrossar as estatísticas, mas que na verdade escondem a deformação da educação no Brasil. É o que tentam demonstrar os pontos abaixo, apresentados em forma de propostas de alteração dos estudantes da pós-graduação:


1) Alterar os objetivos da pós-graduação, excluindo as expressões “capacidade de liderança e inovação”, proposta no novo regimento do reitor, e adendando ao termo “profissionais” a expressão “com formação científica”.

A expressão “capacidade de liderança e inovação” carrega consigo uma enorme carga de atributos mercadológicos e de gestão empresarial. Por outro lado, deixar apenas o termo “profissionais” tira o caráter acadêmico científico da Universidade. É curioso notar que o termo “ciência” não é usado em nenhum momento na redação do documento. O caráter mercadológico de gestão empresarial da pesquisa é incompatível com a ciência.


2) Alterar as competências do Conselho (Artigo 12) delegando ainda mais poder às CPGs (Comissões de Pós Graduação) e CCPs (Comissão Coordenadora de Programas), particularmente no que concerne à criação e encerramento de programas.

O documento é contraditório quando propõe a descentralização e ao mesmo tempo centraliza na CoPGr (Conselho de Pós- Graduação) competência de abertura e fechamento de programas. É importante que as CPGs tenham autonomia para decidir sobre seus programas.


3) Exclusão do termo “por motivos alheios à sua vontade” (artigo 49).

A nova redação do artigo 49 diz que o trancamento do mestrado ou doutorado deve ser feito “por motivos alheios à sua vontade” (do estudante). Mas o trancamento é um direito. Não podemos aceitar que o estudante seja obrigado a se justificar e se submeter às decisões de professores ou comissões. O poder de decisão deve ser único e exclusivo do estudante.


4) Deixar o prazo da qualificação a critério de cada programa ou unidade.

Historicamente, cada programa da USP mantinha regras próprias para o exame de qualificação, sobretudo porque a forma do processo seletivo tende a variar muito. Alguns programas selecionam projetos de pesquisa enquanto outros realizam provas de conteúdo. Por conta disso, cabe a cada programa, e respeitando as especificidades de cada área, estabelecer o melhor momento para o exame de qualificação.

Na nova proposta de regimento os prazos são todos encurtados, isso faz parte do ideal da reitoria de padronizar e ampliar o número de formandos, tornando a pós-graduação uma máquina de distribuição de diplomas.


5) Revogação da proibição do direito de voto do orientador.

A exclusão do orientador da banca examinadora de conclusão da pós-graduação, concedendo-lhe apenas um papel de espectador, quando deveria ser uma das pessoas mais indicadas para a avaliação, é uma demonstração do aumento da ingerência sobre a pesquisa.


A reforma do regimento da pós-graduação é de conteúdo privatista. Não atende aos interesses da maioria dos estudantes, por isso a necessidade do reitor em impor autoritariamente sua aprovação. Esse é o “espirito” a que se referiu o reitor. Devemos rechaça-lo por inteiro, organizando um movimento dos pós-graduandos em conjunto com os graduandos, que inclusive serão os mais prejudicados com a alteração. Não à reforma da pós!

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