segunda-feira, 30 de julho de 2012

Tese da corrente proletaria estudantil ao XI Congresso de Estudantes da USP

Tese ao XI Congresso de Estudantes da USP

a) Universidade de classe

    Vivemos em uma sociedade de classe, em que a maioria assalariada é explorada pelos detentores dos meios de produção (burguesia). A universidade reflete as contradições dessa sociedade, sofrendo ora a intervenção direta, através dos mecanismos de controle estatal, como a legislação, a polícia etc.; ora indireta, com uma estrutura de poder moldada para atender aos interesses gerais da classe dominante.
    Uma minoria de professores titulares detém o poder da universidade, aplicando a política do Estado em seu interior, de acordo com os anseios da classe dominante. Disso resulta a caracterização de que a universidade não é autônoma, apesar da casta burocrática possuir algumas limitadas prerrogativas enquanto camada privilegiada.
    Na USP, a escolha do reitor é feita pelo governador a partir de uma lista tríplice indicada pela burocracia (Rodas, em particular, foi indicado por José Serra/PSDB), a FIESP tem participação direta no Conselho Universitário (CO), assim como o agronegócio e a federação do comércio. Apesar dos qualificativos costumeiros, como de “centro de excelência”, o que vemos é uma produção de conhecimento atrelada à lógica do mercado e não às necessidades gerais da população.
    Cresce a cada dia a privatização “por dentro” nas públicas, através de fundações de direito privado e da terceirização. A criação de patentes é um exemplo, já que mobiliza pesquisadores, fazendo uso do patrimônio público, para no final produzir um conhecimento que permanece sob controle privado. O novo regimento da pós-graduação da USP segue a mesma orientação mercadológica, com um viés tecnicista e profissionalizante, favorecendo a infiltração de demandas empresariais em detrimento da livre investigação científica.
    A estrutura autoritária, então, coloca-se como uma necessidade da burocracia universitária para preservar sua posição enquanto agente dos governos e da burguesia. É certo também que ela tenta mascarar sua real função, como se dirigisse a universidade de forma autônoma e de acordo com critérios técnicos, tudo fundamentado pelo discurso da meritocracia. Porém, nenhuma reforma é capaz de mudar sua essência, ou seja, não é possível “democratizar” uma estrutura erguida com o fim de submeter a maioria à minoria.
    O autoritarismo tem diversas faces, desde medidas de controle do acesso aos campi até a violência física (a exemplo da utilização da polícia para dissolver manifestações), passando pelos processos criminais e administrativos - que têm conduzido à eliminações e demissões dos lutadores. Com isso, Rodas busca acabar com os movimentos de resistência à sua política elitista e privatista.
    O SINTUSP (sindicato dos trabalhadores da USP) está com toda sua diretoria ameaçada por lutar contra a precarização do trabalho (arrocho salarial, terceirização etc.). São vítimas de processos políticos que visam à demissão por justa causa. Membros da direção da Adusp (sindicato docente) estão sendo perseguidos politicamente por denunciarem o mal uso do dinheiro público pela burocracia universitária.
    O mesmo vem acontecendo com os estudantes. Há processos referentes às ocupações da reitoria de 2007 e 2011 e da moradia retomada. São reprimidos por defenderem a permanência estudantil, contra a presença da PM no campus e contra os processos que se acumulam a cada levante. Oito já foram eliminados e mais de 50 estão na mira.

b) A “democratização” da universidade

    A direção do DCE convocou o XI Congresso de Estudantes sob o tema “Democracia na USP”. Esforça-se por comparecer diante de sua base como expressão de uma política de esquerda, capaz de provocar mudanças na universidade em favor da maioria. Para isso, propõe discutir duas bandeiras centrais: uma estatuinte livre e soberana e eleições diretas para reitor.
    O tema da “democracia”, entretanto, é colocado em oposição às bandeiras e métodos de luta levantados pelos estudantes no final de 2011 (contra a PM no campus, contra os processos políticos e pela saída do reitor autoritário). Assim, o chamado “congresso temático” está sendo organizado ao redor de uma política distracionista, oposta na prática às bandeiras e métodos de luta do movimento real.
    A USP preserva uma série de aspectos da estrutura de poder criada pela ditadura militar, que estão traduzidos em seus estatutos (reformados em 1988) e no seu regimento disciplinar (preservado mesmo depois disso). O que não quer dizer que a convocação de uma estatuinte seja a resposta correspondente. Na verdade, a única estatuinte possível hoje seria a dirigida por Rodas, pela burocracia universitária e pela PM, o que certamente nos colocaria em situação pior.
    A abertura de uma estatuinte não teria como levar à real democracia universitária, pois não seria capaz de romper por si só o controle dos governos e do poder econômico sobre a universidade. Não haveria correlação de forças para derrotar o enorme aparato em favor da burocracia (governo, mídia, polícia etc.). Mesmo considerando a hipótese da conquista de uma composição política favorável no interior da estatuinte, seu caráter “livre e soberano” ainda assim dependeria da burocracia acatar suas decisões, o que obviamente não ocorreria caso contrariassem seus interesses.
    Modificar a forma como o reitor é escolhido, mantendo-se a estrutura de poder vigente, também não solucionaria o problema. Ainda mais quando se sabe que a proposta da direção aparece condicionada a outra, de paridade nos organismos de administração da universidade. Não será modificando a proporção entre os representantes de estudantes, funcionários e professores no interior de uma estrutura que conserva a ingerência do Estado e do capital que se alcançará a democracia universitária.
    Em outras palavras, partir do fato de que é absurda a maneira como é “eleito” o reitor e partir do princípio de que todos os cargos sejam elegíveis (e submetidos a revogação dos mandatos) não pode nos conduzir mecanicamente à defesa de bandeiras que nos colocam numa posição de conciliação com a burocracia, quando a tarefa que se coloca é combatê-la.
    Hoje as bandeiras de estatuinte e diretas pra reitor aparecem no movimento como uma imposição das direções, de cima pra baixo. São apresentadas como reivindicações democráticas radicais, mas na prática servem para combater o radicalismo do movimento, desviando os que estudam e trabalham das bandeiras decisivas no momento atual, colocando como prioridade reivindicações abstratas, à margem da vida dos estudantes.
    O autoritarismo se destaca na conjuntura como o problema mais candente que devemos enfrentar. A razão disso é que esse autoritarismo hoje se expressa por meio da violência policial e da perseguição política aos movimentos. Mas a direção estudantil, ao não lhe dar combate imediato em nome de uma campanha por “democracia”, impede que se dê um passo na luta contra a repressão, permitindo que esse mesmo autoritarismo se perpetue, pois ele não será removido de outra forma que não seja a do levante massivo e unitário.

c) Destruição da universidade de classe

    Não pode haver democracia universitária sem a real autonomia. Ou seja, o controle coletivo da universidade por quem estuda e trabalha, em oposição à ingerência dos capitalistas e seus governos, é a forma de concretizar a real democracia universitária.
    As tentativas de “democratizar” a atual estrutura de poder autoritária, ampliando a participação de estudantes e funcionários nos gabinetes empoeirados da burocracia autoritária (paridade) não são capazes de efetivar a democracia universitária. O objetivo do movimento estudantil deve ser outro: destruição da atual estrutura de poder e da conquista da real autonomia universitária, ou seja, do controle coletivo da universidade pelos que estudam e trabalham.
    O caminho para se avançar nessa direção é o da mobilização pelas reivindicações mais sentidas, que se chocam com o autoritarismo da casta burocrática que dirige a universidade e colocam a questão do poder de forma concreta. O recente conflito do movimento estudantil contra a maior ingerência externa sobre a universidade, expresso nas bandeiras de expulsão da PM e fim dos processos políticos, levou a se levantar a bandeira de Fora Rodas.
    Pela prática, os estudantes percebem a necessidade de varrer com a casta parasitária, substituindo o poder burocrático pelo dos organismos de massa, e de romper com a influência dos governos e do poder econômico, empregando a autonomia contra eles, concretizada no controle coletivo por quem estuda e trabalha. A assembleia geral universitária se torna assim meio de mobilização, decisão coletiva e democrática, e embrião do poder da maioria. Ela é quem deverá exercer o governo da universidade, com um governo tripartite (professores, estudantes e funcionários) submetido a ela.
    Porém, é um erro supor que o autoritarismo da USP seja um fenômeno particular ou que possa ser superado nos limites de seus campi. Menos ainda por métodos dissuasivos. A burguesia controla diretamente a maior parte das universidades brasileiras, pois é proprietária de 90% das instituições, com 75% das vagas, aproximadamente. A universidade pública é minoritária dentro do já reduzido universo de acesso ao ensino superior para a juventude.
    A conquista da real autonomia e democracia universitárias está ligada à conquista do ensino público e gratuito para todos, em todos os níveis. Ou seja, terá de passar pela destruição do ensino privado, através da estatização sem indenização da rede particular e controle coletivo por quem estuda e trabalha. Isso porque o controle privado se constitui numa barreira intransponível para a maioria, que não pode pagar – o que vale somente para aqueles que conseguem concluir o ensino médio.
    A estatização e a destruição da universidade de classe não poderão se realizar através de uma luta isolada. Pelo contrário, são combates que terão de se inserir num quadro mais amplo de transformação da sociedade rumo ao socialismo. Dessa maneira, o movimento de estudantes e trabalhadores das universidades só avançará na luta se caminhar para a unidade com os demais explorados, sob a direção da classe operária. Essa unidade criará a força capaz de impor a derrota geral ao Estado burguês e aos capitalistas e conquistar a real autonomia e democracia universitárias.

d) Um balanço do movimento. Ou: como NÃO lutar pela democracia universitária

    O XI Congresso dos Estudantes tem de levar em conta um balanço crítico do movimento estudantil na USP no último período.
    A atual direção do DCE (Não Vou Me Adaptar, PSol/PSTU) é de continuidade da gestão anterior (PSol). A direção psolista procurou se basear no controle dos aparatos dos CAs para desenvolver sua política. Eliminou as assembleias gerais e as substituiu pelos Conselhos de Centros Acadêmicos, onde tem maioria estável. Negou-se a responder aos ataques movidos pelo reitor-interventor em várias frentes, manifestados em políticas privatistas, elitistas e de precarização do ensino público.
    Em unidades que se levantaram à revelia da política conciliadora da direção (como na EACH), os movimentos foram mantidos isolados e divididos. Em resposta à ocupação de parte do bloco G pela moradia retomada, negou-se a convocar assembleia, generalizar a luta e combater os processos contra estudantes, que resultaram depois na eliminação de oito deles.
    Em resposta às medidas da reitoria, tomou como referência a imprensa e não os estudantes. O maior exemplo disso foi a resposta ao convênio USP-PM, em que se negou a convocar assembleia e tomou por base a “opinião” dos estudantes decretada pelo Estadão e pela Veja, que seria amplamente favorável à intervenção policial, sendo desmentida posteriormente pela forte luta que se ergueu.
    A resposta dos estudantes da FFLCH à prisão de três acusados por porte de maconha, com uma ampla manifestação contrária à presença da polícia e as prisões (27 de outubro), detonou uma onda de mobilização completamente avessa à política da direção. Logo após a prisão, feita por meio da repressão aos estudantes que ali protestavam, realizou-se espontaneamente uma assembleia, que decidiu ocupar o prédio administrativo da FFLCH. A direção se apavorou e passou desesperadamente a procurar meios de por fim ao movimento.
    Conseguiu arrastar uma parcela de estudantes contrários à ocupação para uma assembleia que votou apertado o fim dela, mas que logo a seguir votou pela ocupação da reitoria. A direção, ao perceber que venceria a proposta de nova ocupação, abandonou a assembleia em meio à contagem de votos, declarando-a encerrada. Pior que isso, boicotou a ocupação e fez campanha contra ela, numa frente com a reitoria e a direita (polícia, Veja, Estadão etc.).
    A violenta desocupação da reitoria por um enorme contingente policial (8 de novembro), em meio às negociações, levou a uma assembleia de milhares, que votou, contra a posição da direção, pela greve imediata e formação de um comando de greve, expressão das bases mobilizadas.
    As assembleias de curso reagiram massivamente, com centenas em cada uma votando pela expulsão da PM, fim dos processos e saída do reitor-interventor, e elegendo dezenas de delegados de base alheios à política da direção do DCE. Um grande movimento se colocou em pé. Manifestações de milhares nas ruas e assembleias multitudinárias expuseram a mentira do apoio da maioria estudantil à entrada da PM na universidade.
    A direção do DCE tentou viabilizar um caminho de conciliação com a reitoria, através do chamado “plano alternativo de segurança” a ser negociado e da discussão de uma estatuinte distracionista, que desviasse os estudantes da luta concreta para a discussão abstrata de democracia sob a ditadura de Rodas e do governo do PSDB. Fracassou. E passou a boicotar o comando, que se tornou a direção de fato do movimento.
    Nas férias, o reitor-interventor continuou seus ataques, mas o comando não foi capaz de responder. A calourada ficou nas mãos dos CAs. O comando se deixou levar pela política festiva de calourada, tentando esquerdizá-la sem mudar sua essência. O início do primeiro semestre de 2012 teve assembleias de curso concorrendo com as aulas, ao que se somaram vários fatores de pressão contra a greve. A primeira assembleia geral refletiu uma divisão entre os estudantes, mas votou o fim da greve. As eleições do DCE foram controladas pelos CAs e deram vitória folgada à atual direção.
    A expulsão de estudantes e novos processos motivou uma mobilização limitada, que encontrou na direção do DCE um freio disposto a canalizar tudo para a conversa mole do congresso temático sobre democracia. Sem a pressão do movimento, a reitoria amplia sua ofensiva. Anuncia mais repressão e mais autoritarismo. E mais medidas privatistas e elitistas. O movimento estudantil tem de responder com luta às medidas do reitor/governo, e isso implica romper com a política conciliadora e distracionista da atual direção.

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