sábado, 17 de abril de 2010

Tese da Corrente Proletária Estudantil (P.O.R.) ao X Congresso de estudantes da UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


a) Reitor do diálogo?
    João Grandino Rodas, ex-diretor da Faculdade de Direito, assumiu a reitoria da USP por meio da indicação direta do então governador do estado, José Serra (PSDB). Era o segundo colocado na lista tríplice elaborada pelo restrito colégio eleitoral formado por professores titulares de nossa universidade. Ou seja, não era sequer o candidato favorito da burocracia universitária, quem dirá da maioria da comunidade uspiana.
Como a posição de reitor-interventor não soava bem, Rodas tratou de tentar mudar sua imagem.     Teve que sair logo com uma ampla campanha em que se intitulava “reitor do diálogo”. Tem sido difícil, entretanto, sustentar esse disfarce. Em menos de um ano, Rodas já reprimiu estudantes manifestantes, negou-se a negociar a pauta do Fórum das Seis, ignorou completamente as reivindicações dos moradores do Crusp e agora ataca o direito de greve dos funcionários com medidas repressivas (corte de ponto e multas ao sindicato).
    O processo de escolha do reitor expressa um fenômeno mais amplo. Não é somente a suposta “eleição” para reitor que é antidemocrática, senão toda a estrutura de poder. Reconhecemos o mesmo controle burocrático desde os departamentos e congregações, passando pelas pró-reitorias e chegando até o Conselho Universitário (CO). A composição destes organismos é profundamente desigual, com uma participação irrisória de estudantes e trabalhadores.
b) autonomia em palavras nada vale
    Tal forma de dispor as relações de autoridade corresponde ao controle que a classe capitalista exerce sobre a universidade. O condicionamento das pesquisas e do ensino aos interesses mercadológicos compromete o caráter científico das atividades acadêmicas. O funcionamento atrelado aos negócios das corporações exige uma disposição dos recursos que provoca a sobrevalorização de certos campos do conhecimento em detrimento de outros, ficando a área das humanidades claramente prejudicada, por exemplo.
    O controle da universidade pela classe dominante se realiza ora pela intervenção direta do Estado burguês, ora através de seus agentes internos, dentre os quais destacamos a própria burocracia universitária. Esta nada mais é que uma casta ultra-minoritária de professores titulares que detêm o controle da estrutura de poder na USP. Atua como correia de transmissão dos interesses das empresas no interior da academia. Outras formas de intervenção do capital são as fundações e a terceirização dos serviços.
    Contudo, o fato de a burocracia universitária ter em suas mãos a estrutura de poder engendra interesses específicos, necessidades próprias que provocam, em determinados momentos, situações de atrito. Nessas circunstâncias, os que dirigem a USP demonstram toda sua impotência diante dos governos e das empresas, como ocorreu em 2007. Nesse ano, José Serra impôs uma série de decretos que feriam a autonomia da universidade. Diante do levante de estudantes e trabalhadores, que saíram em greve e ocuparam a reitoria, os burocratas tiveram de se alinhar com o governo para nos reprimir.

c) preservar com enfeites a estrutura burocrática?
    O caráter repressivo e autoritário dos reitores, bem como a essência antidemocrática da estrutura de poder da USP, precisam ser desmascarados ao conjunto dos que estudam e trabalham. A luta ao redor das reivindicações mais sentidas fará a maioria chocar com a burocracia universitária, luta que permitirá compreender pela própria experiência que não há como remendar uma estrutura de poder moldada para excluir estudantes e trabalhadores. A transformação gradual e pacífica dos atuais organismos de direção é utópica, pois admite como premissa que a burocracia assistirá o seu derrubamento de forma passiva.
    Pretender retocar os organismos burocráticos (como é o caso da proposta de paridade) levará, na prática, a preservá-los, quando nossa luta deveria ser outra. A real autonomia universitária só poderá ser fruto de uma profunda transformação da estrutura de poder, fruto da destruição da universidade de classe. A universidade que aí está é burguesa, elitista, arcaica e profundamente anti-científica. Nosso objetivo deve ser soterrá-la para dar origem a uma nova, em que a classe operária e demais oprimidos possam tomar suas rédeas a partir de dentro. Tal combate só pode ser concebido num quadro de agudização da luta de classes, portanto, de luta anti-capitalista generalizada em direção ao socialismo.

d) Greve dos funcionários sem professores. Sem estudantes?
    Esse ano, novamente, os funcionários (em especial os da USP) saíram à frente das demais categorias no processo de mobilização. O conselho de reitores das estaduais paulistas (Cruesp) lançou uma tremenda provocação contra os trabalhadores ao quebrar a isonomia salarial concedendo aproximadamente 6% de reajuste somente aos professores (aumento colocado sob o disfarce de valorização da carreira docente). Há ainda outras reivindicações específicas, como a reposição de parte da perda histórica de salários, com o índice de 16%, mais R$200,00 fixos.
    As direções de professores seguiram caminho bem diferente. Embora tenham se declarado (como fez a Adusp) contrários à quebra da isonomia salarial, acabaram aceitando o reajuste numa atitude extremamente corporativista. Corporativista porque a defesa da categoria se fez em detrimento da luta conjunta, acatando a provocação do Cruesp e deixando no isolamento os funcionários e estudantes. A atitude tomada pelos professores, porém, não pode ser encarada como excepcional.
    Pelo contrário, o que tem se tornado regra é o movimento estudantil e de trabalhadores ter de caminhar apesar da categoria docente e muitas vezes contra ela, dado o papel de freio que tem exercido. A política da atual gestão do Diretório Central de Estudantes (DCE) é bastante próxima da dos professores. A corrente política que encabeça a entidade estudantil esse ano é o P-Sol. A juventude deste partido (mais especificamente o MES, que é uma das correntes internas) é herdeira da esquerda petista, que dirigiu o DCE por vários anos.
    As únicas exceções em tanto tempo foram os anos de 2007 e de 2009, quando a entidade esteve sob a direção do PT e do PSTU, respectivamente. A sorte do movimento, no entanto, não foi melhor com esses dois últimos partidos, que embora apresentem diferenças importantes entre si, aparelharam a entidade e atuaram como obstáculos às lutas reais que se desenvolveram.
    Falando em luta real, é oportuno citar o caso da ocupação da Coseas. A atual diretoria do DCE deu seu apoio à mobilização, mas apenas em palavras. Contribuiu com o isolamento do movimento que se desenvolveu no Crusp. Nossa corrente levou à reunião de gestão do DCE a proposta de uma assembléia extraordinária de estudantes para debater a situação. Fomos solenemente ignorados. O que coloca imediatamente a questão da composição das gestões do DCE.
    A atual diretoria é composta por uma única chapa que obteve maior votação que as demais (modelo majoritário). Porém, a soma dos votos das demais chapas faz perceber que mais da metade dos votantes teve a sua representação vetada. O DCE não expressa em seu interior as diversas tendências estudantis. Defendemos que o DCE se consolide como uma entidade democrática, que sua diretoria possa expressar as diferentes concepções de movimento. Somente a representação proporcional na gestão do DCE levará a esse resultado.

e) política de conciliação
    O P-Sol, PSTU e as outras organizações que já citamos aplicam uma política de conciliação com a burocracia universitária, política que objetiva conquistar migalhas para assim se projetarem como bons representantes. Trata-se de uma espécie de adaptação mal ajeitada do chamado sindicalismo de resultados, que na verdade só tem trazido para os trabalhadores um resultado: desmoralização e perda de conquistas históricas.
    A linha de conciliação com a burocracia caminha lado a lado com o método de partir de pautas rebaixadas, consideradas possíveis de serem atingidas. Esse caminho é o da covardia e da traição, uma vez que conduz à capitulação sem luta. Nosso critério não pode ser o quanto a reitoria e os governos estão dispostos a ceder, pelo simples motivo de que esses oferecerão sempre o mínimo, quando muito.
    É a correlação de forças que deve determinar se cedemos aqui ou ali, com o movimento decidindo coletivamente a respeito. Momentos de recuo às vezes se impõem, é verdade. Devemos saber fazê-lo ordenadamente. Mas, recuar sem antes ter consumido toda força social à nossa disposição significa entregar os pontos tendo possibilidade de vencer. Ou seja, implica favorecer o inimigo e enterrar chances importantes de avançar para novas conquistas.
    Este X Congresso não pode terminar sem que os estudantes passem por uma rigorosa crítica os métodos de luta que têm empregado. Contra a via da conciliação devemos adotar resoluções que apontem a ação direta como alternativa para derrotar a reitoria e os governos. Devemos nos apoiar nos setores mais mobilizados para fazer avançar a mobilização unitária. Somente a luta radicalizada poderá fazer pender a correlação de forças para nosso lado, dobrando a intransigência de Rodas e do Cruesp.

f) Unidade na luta
    O principal problema que encontramos para consolidar a luta contra a destruição do caráter público da USP é o corporativismo das direções que representam estudantes e trabalhadores. A tarefa imediata que está colocada ao movimento é combater o divisionismo e alavancar uma poderosa mobilização unitária por meio da construção da assembléia geral universitária (estudantes, funcionários e professores).
    Nossas direções têm feito uso do discurso da autonomia das categorias para justificar a negação da luta unitária. Não somos favoráveis a eliminar tal espaço de autonomia, mas alertamos que colocá-lo acima da necessidade de unificação leva ao favorecimento de nossos inimigos políticos. O único meio de estender qualquer debate ao conjunto da universidade é através do emprego da democracia operária em nossos fóruns, subordinando a minoria às decisões da maioria.
    Torna-se indispensável a este congresso a aprovação de um calendário de discussões com os outros setores pela convocação da assembléia geral universitária, com voto universal (uma cabeça, um voto), prevalecendo os interesses da única camada que não tem interesses corporativos (salário, carreira etc.) – que são os estudantes. Trata-se de uma tarefa para agora, ao mesmo tempo em que pode se converter, caso a mobilização se expanda e se generalize, numa espécie de embrião do poder da maioria em oposição à atual estrutura de poder.

g) Universidade pública versus Universidade elitista
    Não defendemos a democratização do ensino nos moldes em que está colocado, por exemplo, pelos defensores do EàD. Nós defendemos o acesso universal à educação e para isso, é necessário o avanço do ensino público sobre seu maior inimigo: o setor privado. É com a estatização de toda a rede privada e com o fim do vestibular que o acesso à educação será garantido à todos.
    Para os capitalistas da educação, é interessante que a educação superior seja restrita, pois isso valoriza seu produto. Como o Estado é o organizador dos negócios da burguesia, coloca em prática os seus interesses, e promove a quebra cada vez mais profunda da educação pública. Quebra que se dá também com o desvirtuamento do que lhe resta de público. A privatização é um fenômeno que avança rapidamente. A exclusão da população pobre tem se acirrado com medidas de controle da circulação das pessoas e perseguição.
    Devemos combater cotidianamente essa tendência, mas também temos de compreender que a eliminação integral dessa contradição entre público e privado somente se dará com a transformação radical da sociedade, em que o Estado não seja um instrumento de opressão de uma minoria exploradora sobre a maioria explorada, mas sim, um instrumento de emancipação dessa maioria, dirigido pela classe revolucionária, o proletariado, num processo insurrecional e violento, ou seja, abandonando a estratégia eleitoreira tradicional das esquerdas pequeno-burguesas.

h) permanência estudantil
    As vagas para moradia estudantil no Crusp nunca foram capazes de suprir a demanda dos estudantes da USP. A falta de lugar para morar é um impeditivo para que muitos estudantes se mantenham em seus cursos. As opções são o aluguel e o transporte público, caros demais para caberem no bolso do estudante, obrigando muitos a desistirem.
    A política da USP para permanência diz que as vagas na moradia devem ser oferecidas àqueles estudantes que necessitam mais do que os outros e para medir isto tem seus critérios de pontuação. Há uma discussão muito grande a respeito desses critérios e é geralmente uma discussão muito rasa que acaba dividindo o conjunto dos estudantes em posições sectárias que se baseiam no mérito acadêmico, nos diversos “graus de pobreza”, dentre outras coisas.
    A demanda deve ser por vaga para todos. O Estado deve garantir a todos os estudantes das universidades públicas a sua permanência, àqueles que precisam como também daqueles que simplesmente querem morar na universidade. Essa política deve incluir também a questão dos restaurantes universitários, com ingresso gratuito a todos os estudantes, material didático, com abastecimento das bibliotecas com todos os livros necessários, construção de novos prédios para aulas, contratação de professores para que todas as disciplinas possam ser oferecidas e re-oferecidas, dentre outras.

i) A farsa do EàD - Acesso universal e fim dos vestibulares
    Apesar de todo o discurso pró-ensino à distância de democratização do acesso à educação, da utilização dos recursos tecnológicos disponíveis etc., é fácil compreender onde está o real interesse de Estado nisso tudo. É falsa a polêmica que é posta por aqueles que defendem o EàD de que seus entusiastas são defensores da democratização do ensino e os outros não. Assim como é falsa a dicotomia inventada pelos partidários do EàD, de que estes são favoráveis à modernização do ensino com aplicação de “tecnologia” e os outros não.
    O que está por trás disso tudo é, por um lado, uma política estatal de cortar gastos para aplicar o dinheiro público economizado em áreas de interesse pró-capitalista como o pagamento de juros da dívida pública, por exemplo. Outro importante impulsionador do ensino à distância, é o setor privado da educação, segundo maior lobista do congresso nacional depois dos banqueiros, que com a aplicação desta forma de ensino aumenta seu lucro, economizando com enxugamento da força de trabalho e com menor investimento em infra-estrutura.
    Por trás do discurso pró-ensino à distância está o interesse dos capitalistas em explorar esse novo mercado consumidor que é o virtual. Por trás desse discurso está a transformação do ensino numa mercadoria, submetendo-a às leis de mercado, às crises cíclicas cada vez mais profundas do capital e ao processo de concentração, que no Brasil tem assumido a forma de desnacionalização.

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